sábado, dezembro 31, 2005

sexta-feira, dezembro 30, 2005

Samuel

Luiza Caetano
“Concílio das Gaivotas”

Samuel olhava o mar e agitava-se do vento que o abanava e desequilibrava. E ria-se no seu grasnar desengonçado. Era bom o vento na sua cara. Trazia-lhe o cheiro que ele adorava.

Samuel levantou um pé queimado pelo Sol e coçou-o. Sentiu um alívio que o fez espreguiçar-se de prazer.

Samuel olhou os companheiros que se abriam ao encontro da suavidade da tarde e sorriu com alegria pela fraternidade que descobriam entre si. Era bela esta tarde de Inverno, tão seca e solarenga.

E neste devaneio, Samuel abriu as asas e voou ao encontro das outras gaivotas que brincavam ruidosamente.

quinta-feira, dezembro 29, 2005

2005: Um olhar sobre o caminho


2005 está a chegar ao fim. Fim de ano é sempre fim de ano. Com festa e tudo. Mas é também tempo para olhar para trás e procurar ver o caminho percorrido. Não para ficar retido no que passou. Mas para podermos olhar o que aí vem com o sabor do tempo. Que é sempre olhar de esperança. Mesmo que de esperança apenas se vislumbre o sonho.

Por agora, apenas o lembrar do que fui lendo ao longo deste ano. Da memória, entre outros, retenho alguns livros que “puxaram” por mim e, de uma maneira ou doutra, me tocaram bem fundo. E que recomendo vivamente. (A ordem é naturalmente arbitrária)

Uma Deusa na Bruma
João Aguiar

Ed. ASA, 3ª Edição, Junho 2003
Contrariamente ao que muitos “homens” poderão continuar a dizer, o “homo misticus” também se afirma no feminino. Se calhar há mais tempo, até, do que no masculino.
Esta obra poderá até nem ser a melhor do autor, mas nela se revela, seguramente, João Aguiar no seu melhor.

CHE – Ernesto Guevara, Uma lenda do século
Pierre Kalfon
Terramar, Março de 1998, Tradução: Manuela Torres
Ernesto Guevara de la Serna, “um asmático apressado, grande contestatário, foi também um semeador de sonhos.
Goste-se ou não dele, concorde-se ou não com as suas ideias, com a sua vida, com os seus actos, com as suas palavras, o Che foi, na verdade, um vulto destacado no seu tempo. Ficou, pois, na História. Na História de nós todos.

Elogio do Imbecil
Pino Aprile
Dom Quixote, 2003
“Os inteligentes construíram o mundo, os estúpidos vivem à grande”. Ou melhor: “os inteligentes construíram o mundo, mas quem desfruta dele e triunfa são os imbecis”.

O Maçon de Viena
José Braga Gonçalves

Ed. Primebooks
O Príncipe Rosa-Cruz
José Braga Gonçalves
Ed. Primebooks, 2005
Uma maneira diferente de olhar a figura de Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), 1º Conde de Oeiras e 1º Marquês de Pombal. E através dele, o saber contar outras histórias.
O acerto de contas consigo próprio. Mas também com os outros, estou certo.

A Comenda Secreta
Maria João Martins Pardal e Ezequiel Passos Marinho

Ed. Esquilo, 2ª Edição, Outubro 2005
Um outro olhar sobre a fundação de Portugal. D. Afonso Henriques e o Mestre Gualdim Pais: uma mesma “Comenda”.
Como me disse o meu amigo Ezequiel, “a leitura deste livro não é recomendada a fundamentalistas”.

Havemos de voltar com outras memórias.

quarta-feira, dezembro 28, 2005

Duas Mãos

Duas mãos pousaram, suavemente,
Nos teus ombros, ainda frágeis,
De criança interrogante.

Duas mãos se estenderam, paternais,
Sobre a tua cabeça, irrequieta,
De criança, ainda imóvel.

Duas mãos se abriram, fraternais,
Perante o teu olhar, puro e alegre,
De criança simples e verdadeira.

Duas mãos te empurraram com ternura,
Levando-te pelo caminho seguro
Dos que não temem, dos que vivem.

(Lisboa, 1981)

sexta-feira, dezembro 23, 2005

Bom e Feliz Natal

Retábulo da Capela-mor da Sé de Viseu (Painel “Natividade”)
Tudo indica que os painéis tenham sido feitos por uma equipa liderada pelo pintor flamengo Francisco Henriques, entre os anos de 1501 e 1506. A essa equipa de pintores e entalhadores flamengos juntou-se o ainda jovem Vasco Fernandes, mais tarde nomeado com o título de Grão Vasco, sendo esta a primeira obra em que trabalhou ou, pelo menos, a primeira que conhecemos.

As trombetas do Natal

Um dia destes, creio que na SIC, estava a dar um programa onde, salvo erro, uma apresentadora andava a distribuir prendas (brinquedos), conseguidos em peditório público, em vários locais, a crianças em diversos bairros degradados do país e a várias instituições de carácter social. E com grande aparato referiu-se que receberam prendas, segundo creio, cerca de cinco mil e tal crianças.

Fiquei contente. Agradou-me ver a solidariedade demonstrada. Sinceramente.

Mas, se calhar, talvez ficasse muito mais “tocado” se, por exemplo, “não soubesse”, mas fosse verdade, que a SIC, ou qualquer outra instituição ou entidade de qualquer tipo, tinha ido “em silêncio” oferecer prendas a algumas crianças desfavorecidas, mesmo se o número fosse mais diminuto.

quinta-feira, dezembro 22, 2005

Há sempre uma palavra

Há sempre uma palavra
Que se esconde
Daqueles que desconhecem o mar.

E o mar, como a chuva,
Vem de mansinho
E inunda os nossos corpos sedentos.

Há sempre uma palavra
Que se descobre
No sonho que arriscamos.

E o sonho, como o tempo,
Vem encontrar
O espaço que deixamos livre.

Há sempre uma palavra
Que inunda o sonho
E permanece livre como o mar.

quarta-feira, dezembro 21, 2005

Obrigatório ler (e já agora, comprar a revista)

Ao ler a revista Cais (nº 103, Novembro 2005), chamou-me a atenção o artigo “Apartheid Social”, de Henrique Pinto.

De facto, o combate à pobreza e à exclusão social é tarefa de todos. Quer queiramos, quer não. Porque só assim a solidariedade se tornará eficaz. É que se não for assim, apenas nos restará a hipocrisia (tantas vezes latente) da escamoteação da realidade.

É que às vezes parece mais que acalmamos a nossa consciência com o não ver o que existe (porque até o conseguimos esconder…).

Para que conste, aqui fica um excerto:

“(…) Temos vindo a escrever que a erradicação da pobreza é tarefa de todos, e que a ética sobre a qual assenta esta missão nada tem a ver com boa ou má vontade dos políticos, com excedentes financeiros, ou a moda a que se podem render, numa determinada estação, indivíduos, grupos ou empresas. A responsabilidade social ou o cuidar de si e dos outros, a que cada um é chamado, por razões de contingência e finitude humana, é uma convocação e um desafio diário, intrínseco à vida, e que nunca poderá vez alguma existir condicionado por qualquer tipo de circunstâncias ou desculpa esfarrapada. (…)”

E, já agora, não se esqueçam de “ver” quem vos aparece “na rua” com a revista na mão. Ela precisa de “mudar de mãos”.

terça-feira, dezembro 20, 2005

Pequenos gestos


Um dia destes, à noite, sentado no meu velho sofá preferido, prestava-me para acabar a noite a ver um filme, para mim desconhecido, num dos canais da nossa televisão.

As primeiras imagens eram, salvo erro, sobre um super-herói, Turboman (ou qualquer coisa de muito parecido). E lá surgiu a ficha técnica, com os intérpretes à cabeça. Onde sobressaía um nome: Arnold Schwarzenegger.

Reacção óbvia: Zapping! E fui ver outra coisa. (Continuo a ser o dedo mais rápido lá da casa, no telecomando.)

Os motivos, bem, os motivos podem ser vistos, por exemplo,
aqui e aqui, entre outros.

Sei que esta minha atitude não mudou, não muda, nem vai mudar nada na nossa sociedade. As coisas vão continuar a ser como dantes. O ser humano é o ser humano, nada a dizer. Para além de que eu, sou apenas eu. Com toda a minha pequenez possível.

Mas, no meio de tudo isto, lá que me senti um pouquinho menos mau, lá isso é verdade. E quando chegou a hora, lá fui dormir. Um pouco mais desopilado, é verdade.

segunda-feira, dezembro 19, 2005

Instantes

Num instante se passa
Da noite para a alvorada
De um dia que se quer
Novo.

É o sonho
Que nos invade a razão
Demitindo-a.

De repente vivemos
Ainda.

De volta

E como, felizmente, não há mal que sempre dure, cá estou de novo.
Isto de sermos nascentes de "pedras" dentro de nós faz-nos descobrir o outro lado da dor. Faz-nos perceber que, afinal, a diferença entre o "bem-estar" e o "mal-estar" (enfim, entre a saúde e a doença) é tão-somente uma linha muito fina e muito ténue. É simplesmente um momento que de breve sabemos apenas que existe. Não que dura. Fugaz distância, a que se descobre entre o sentir bem e o não poder sequer sentir.
Mas já passou. Espero que por longo tempo. Espero que de longo não lhe conheça o ocaso.
Em tempo de Natal, o "alívio" que senti há dias, foi "prenda" bastante para mim. Já recebi, pois, a minha.
Já agora, aproveito para agradecer aos amigos que se lembraram de mim, nomeadamente a ACarlos, o e o Armando Ésse. O meu obrigado.

quinta-feira, dezembro 15, 2005

Acontece

Acontece.
Caí de cama na Segunda-feira. Crises renais com pedras.
A cabeça tem andado à roda. Por isso o melhor é estar quieto.
Até breve, pois. Espero.

sábado, dezembro 10, 2005

Leituras interessantes


Estou de acordo com o que diz João Miguel Tavares, no
Diário de Notícias (09.12.05), sobre a tão badalada questão dos “crucifixos implacáveis”.

Quer-me cá parecer que os meus amigos e “irmãos” do laicismo (como por exemplo a “República e Laicidade”) têm feito mais pela minha (re)aproximação plena à Igreja, do que o próprio Papa, os Bispos e todos os sacerdotes da minha terra. Mesmo tendo em conta os excessos – quase anormalidades – de alguns membros do clero, como por exemplo o padre franciscano Nuno Serras Pereira (como deve estar a torcer-se, incrédulo e desalentado, lá onde estiver, o fundador da sua ordem, Francisco “o pobre de Deus”), que se meteu com indecorosa falta de “espírito cristão” com a Associação para o Planeamento da Família.

Embora já saiba que os meus amigos António e Rogério (o Zé até talvez não, mas apesar de tudo também) se vão rebolar na cadeira com esta minha “crise existencial”, tinha de desopilar o espírito. E uma provocaçãozinha não faz mal a ninguém.

sexta-feira, dezembro 09, 2005

O Jardim (XII)

Era uma vez um sonho.
Revalava-se cada dia
Como ânsia de descoberta.

Como todos os jardins
O meu corria bastas vezes
O caminho da apatia.
Fechava-se
E não era capaz
Da aventura
Do risco.

Por isso o sonho.
Por isso a incredulidade
A invadir a certeza.

E da incredulidade
Nasceu a intolerância.

Por isso a violência
O medo do futuro
A temeridade do devir.

E assim o sinédrio
A acusação
O julgamento.
E a morte
Foi a conclusão
Da lógica do quotidiano.

Hoje no meu jardim
Despontam sem receios
Martírios da nossa certeza.

quinta-feira, dezembro 08, 2005

PGR e Paulo Pedroso


Na segunda-feira passada, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que manteve a decisão de não levar Pedroso a julgamento, transitou em julgado, depois de terem cessado todos os prazos legais para recurso, o que encerrou o processo relativamente a Paulo Pedroso. Está portanto esta questão resolvida. É, pois, agora momento de olhar para tudo isso com os olhos do tempo e da memória.

E o que faz, então, Souto Moura? Como refere a Lusa (07.12.05), o Procurador Geral da República fala em resistências à investigação e pede provas sobre "cabala". E mais: "Quem tiver elementos que possam minimamente sustentar uma cabala que mos tragam", afirmou o PGR, questionando: "se continuam a afirmar a inocência e a dizer que isto é tudo uma construção e uma cabala porque é que em três anos nunca me trouxeram elementos por onde eu pudesse puxar para confirmar essa tese?"

Quer dizer: na douta opinião de Souto Moura, a presunção da inocência já não existe na nossa sociedade? Cada vez que fala, o PGR…

Sobre este PGR nada mais há a dizer. Ele próprio se tem encarregado de confirmar as razões porque o PR e o PM já deveriam ter pensado noutro para ocupar essa função.

Pense-se o que se pensar de Paulo Pedroso, concorde-se ou não com ele, goste-se ou não, venha a acontecer no futuro o que vier a acontecer, hoje, a Justiça (sim, a Justiça), a Verdade (sim, a Verdade), pelo menos, obrigam-nos a olhar para ele, olhos nos olhos, e ouvir e respeitar a sua palavra. Por mim, é o que faço aqui e agora, com um excerto do texto de Paulo Pedroso, no seu blogue Canhoto:

Pelo direito ao bom-nome, pela verdade e por justiça
(…) Este processo permitiu-me perceber que, em Portugal, hoje, não basta ser inocente para ser tratado como tal.
Algures, alguém, um dia, desencadeou as operações que culminaram na brutal difamação que sofri. Estou certo que também um dia, alguém, algures descobrirá o que aconteceu e como.
Sei, no entanto, que quem conduziu o inquérito judicial a meu respeito, agiu sem presumir sequer a possibilidade da minha inocência.
Pelo contrário, fui humilhado, ofendido, moralmente violentado. Fui alvo de uma perseguição que passou por uma prisão já declarada ilegal e uma acusação que agora foi judicialmente afirmado que nunca deveria ter existido.
O meu direito ao bom-nome foi repetidamente violado. Os elementos de prova que contrariavam a minha pretensa incriminação foram ignorados, desvalorizados e até retorcidos, em vãs tentativas deles extrair o contrário do que demonstravam.
Toda a minha vida seria muito diferente se essa acusação ignóbil não tivesse sido proferida. (…)”

quarta-feira, dezembro 07, 2005

Coisas da Bola


Numa sondagem do Expresso, de 3.12.05, refere-se que 68,4% dos inquiridos “consideram inevitável a introdução de «chips» electrónicos nas bolas e nas balizas de futebol”, contra 12,2% que consideram que “não, que deve continuar-se a confiar na visão dos árbitros assistentes no julgamento de lances duvidosos”.

Eh lá! Vamos lá a ver se a gente se entende. Para quê gastar assim o nosso querido dinheirinho, para depois não termos ninguém a quem deitar as culpas pelas azelhices, pelos azares e pelos disparates dos nossos clubes do coração?

Como é que é? E depois a quem é que vamos continuar a chamar nomes? Como, por exemplo: “Besta negra”; “Filho de qualquer coisa”; “Familiar disto e daquilo”; Animal da classe bovina”; “Canídeo com asma e com sarna”; “Deficiente de várias coisas, nomeadamente da visão”. E muito mais.

Desde já, aqui fica o meu direito à indignação. O meu direito ao escape semanal. Deixemo-nos de coisas: se calhar é melhor começarmos a chamar aqueles epítetos às nossas famílias, aos nossos amigos, aos nossos colegas de trabalho?...

terça-feira, dezembro 06, 2005

Um banco muito especial (*)


Nos tempos que correm, onde o que mais impera é o vale tudo, o que mais se torna notado é a pura e dura competição, selvagem e sem escrúpulos, onde a maior parte das vezes é o Ter que se sobrepõe ao Ser, onde o que sobressai é a imagem que se quer dar e não a realidade das coisas, é importante fazer eco daquilo que verdadeiramente faz a história mover-se.

Por isso, não resisto a deixar aqui o que o Fernando Madrinha escreveu no Expresso, na sua coluna semanal “Preto no Branco”:

“(…) Veja-se o caso do Banco Alimentar contra a Fome. Em si mesmo, é uma máquina exemplar de organização e eficiência, comandada por Isabel Jonet e movida, no seu quotidiano, apenas por voluntários, muitos deles a tempo inteiro. Mas é quando sai para a rua que mais facilmente se pode avaliar a sua importância crescente. Duas vezes por ano – na Primavera e no Outono – estimula e mobiliza a boa-vontade de milhares de pessoas, de centenas de empresas e entidades dos mais diversos sectores, em operações de recolha de alimentos para serem distribuídos pelas instituições de solidariedade que apoiam directamente os mais necessitados. No último fim-de-semana, juntou mais de mil toneladas de alimentos, o que corresponde a um aumento de 18,5% em relação à campanha de Dezembro do ano passado. (…)

Num mundo que nos parece cada vez mais desumanizado e numa sociedade que, por vezes, nos dá a sensação de estar em vias de se desagregar, com a lógica implacável do salve-se quem puder a impor-se como cultura dominante e irreversível, a disponibilidade destas pessoas – e a de milhares de outros que trabalham regularmente no apoio a múltiplas instituições de solidariedade que actuam em todos os sectores e um pouco por todo o território – é um capital social precioso para qualquer país. Assim haja quem saiba mobilizá-lo e pô-lo a render a favor dos que mais precisam, isto é, em benefício de todos.”

(*) Sub-título da crónica, no semanário

segunda-feira, dezembro 05, 2005

Ermera

Ermera foi o desterro
Desejado.
Há sempre a fuga
Ao bulício da cidade.
Ermera era um monte.
Isolado.
No seu ventre
Consumi o já consumado
E ardi em fogos
Inextinguíveis.
Ermera foi o navegar
Mares ainda inexplorados
E descobrir fontes
Onde a água corre
E não se esgota.

(Teorema, Dezembro 2003)

domingo, dezembro 04, 2005

Vale a pena ler

“(...) Hoje, contudo, depois de dar notícias importantes sobre guerras, massacres, ataques terroristas e quejandos e depois de algumas indiscrições prudentes sobre assuntos políticos correntes - mas sem assustar demasiado os espectadores -, os nossos programas noticiosos da televisão lançam-se em séries de matri-fratri-uxori-patri-infanticídios, assaltos, roubos à mão armada, tiroteios e - para que os espectadores não falhem nada - todos os dias parece que os céus se abriram sobre a nossa região e chove como nunca choveu antes, de tal forma que em comparação o dilúvio bíblico foi quase tão dramático como um cano de água roto.

E é aqui que achamos que há qualquer coisa por detrás disto, ou mesmo no centro disto. Dado que os directores do Canal Niagara não se querem comprometer com histórias económica e politicamente arriscadas, seguiram o caminho do Crime de Verdade. Uma boa sequência de cabeças decapitadas mantém o povo entretido e sem ideias perigosas na cabeça.”

Umberto Eco
Diário de Notícias, “Dêem-nos o crime diário”, 3 de Dezembro de 2005
(Exclusivo DN/The New York Times Syndicate)

sábado, dezembro 03, 2005

Pena de Morte


Foi ontem notícia (TSF) terem os Estados Unidos atingido a barreira dos mil executados desde o restabelecimento da pena de morte em 1976, com a morte de Kenneth Boyd condenado por duplo homicídio, na Carolina do Norte.

A propósito (ou, se calhar, sem propósito), George W. Bush resolveu vir a público «apoiar firmemente» a pena de morte. Estará no seu direito. Infelizmente e sem razão, creio eu.

Cá por mim, e conforme dizia, também ontem, em comentário que coloquei numa entrada do A Fábrica (que recomendo vivamente), sobre a Morte, a minha atitude é radicalmente contra a sua utilização como arma para atingir um qualquer objectivo. É uma questão de convicção ética e moral.

Honestamente, do que me conheço, não sei o que faria em determinadas situações. Não sei como reagiria em caso de atentados à minha integridade física, ou à dos meus. Não sei como me comportaria em situações de defesa da minha própria vida ou da dos que me são queridos (ou até, se calhar, em defesa da vida de qualquer pessoa, por uma questão de solidariedade humana). Mas isso não significa que me demita das minhas convicções.

É, afinal, a diferença entre atitude e comportamento. E, para que conste, sejamos claros, não há aqui nenhuma contradição. Há que assumi-lo sem tibiezas.

Mas, apesar de tudo, muito me admira (se calhar até não...) que os que andam, por lá e também por cá, permanentemente a falar em defesa da vida, estejam tão calados sobre isto.

sexta-feira, dezembro 02, 2005

Da minha boca um grito


Da minha boca um grito
Um espasmo
Um eco
De impotência.
Das minhas mãos um gesto
Um acenar
Uma imagem
De sofreguidão.
Da minha cabeça um sonho
Uma aguarela
Uma miragem
De viver.

Do teu corpo uma sensação
Um êxtase
Um frémito
De um momento infinito.

quinta-feira, dezembro 01, 2005

1º Dezembro

"Restauração de Portugal e Morte de Miguel Vasconcelos"
Tela de Antonio Fernandez
Foto: Centro Português

As janelas trazem-nos o que não está aqui
As janelas trazem-nos a luz que nasce lá ao fundo
As janelas trazem-nos a noite que cai, sem dela sabermos, às vezes
As janelas trazem-nos quem se deseja e, talvez, quem não se deseja
As janelas são muitas vezes os nossos olhos e os nossos ouvidos

As janelas são também, às vezes, as portas de saída para quem não percebe nem quer perceber que está a mais

terça-feira, novembro 29, 2005

Amanhã

Amanhã serei, novamente, pó.
Voltarei, de novo, àquilo donde parti,
Donde emergi, um dia,
Para ser imagem e semelhança
D’Aquele que foi, que será – d’Aquele que é.

Amanhã partirei, com ou sem saudade,
Deixando atrás muito tempo, muita gente,
Para a terra que me foi prometida.
Alguém poderá quedar-se, de olhos rasos
De água salgada, dos anos em conjunto.

Amanhã iniciarei a viagem certa e segura,
Que me conduzirá por caminhos
Nunca antes, por mim, calcorreados;
A viagem dos que vão e não regressam,
Dos que ficam à espera da partida.

Amanhã chegarei, finalmente, ao cais
Onde tantos outros barcos já aportaram.
Porto da terra do além – Terra de Nenhures,
Onde os homens se congregarão, afinal,
Para conhecerem quem os chamou.

Amanhã…


Lisboa, 1976
(In “Caminhando”, Suplemento de “A Chama”, Olivais Sul, 1983)

segunda-feira, novembro 28, 2005

O Jardim (X)


Imagens obscuras
Na poeira do tempo.

Rostos esquecidos
Inertes insensíveis
Povoam a memória dos dias.

Sinto a dureza das horas
No meu jardim
Flor-de-pedra.

domingo, novembro 27, 2005

Leituras interessantes

CHE – Ernesto Guevara,
Uma lenda do século
Pierre Kalfon
Terramar, Março de 1998
Tradução: Manuela Torres

"CHE (pronunciar tché) é a interjeição característica da linguagem argentina familiar para interpelar, chamar a atenção do interlocutor. Consoante a entoação, as circunstâncias, CHE, que é sinal de tratamento por tu, pode significar mil e uma coisas: ó pá, olá, ouve lá, incrível!, etc. Por vezes, raiando o vulgar, CHE distingue as pessoas do Rio da Prata da maior parte dos outros hispanófonos."

"9 de Outubro de 1967: uma rajada de metralhadora liquidou Ernesto Guevara, universalmente conhecido pela alcunha, tão afectiva, de Che. Aconteceu num lugarejo perdido, na Bolívia. Assassinado precipitadamente, como se fosse forçoso extirpar o vírus, o Che tornou-se o verdadeiro símbolo do revolucionário íntegro, indefectível, que abandonou o poder para manter a coerência revolucionária, tentando conciliar Marx e Rimbaud.
Nesta biografia extremamente documentada, Pierre Kalfon reconstitui a existência fulgurante deste autêntico Dom Quixote dos tempos modernos, intensamente marcada pela paixão revolucionária. Havia que distinguir entre o mito e a realidade, entre o “santo” e o homem de carne e osso, havia que separar da lenda a verdade vivida, desde a infância e a juventude na Argentina até ao decisivo encontro com Fidel Castro no México, desde a epopeia da luta armada em Cuba até à vitória da revolução, desde o exercício do poder até ao regresso à guerrilha (tentando criar outros Vietenames), até ao trágico desfecho na Bolívia.
Graças a dezenas de testemunhos directos e à análise rigorosa de fontes inéditas, Pierre Kalfon conseguiu produzir uma biografia que já se impôs como obra de referência indispensável, para quem quiser conhecer de facto um dos protagonistas políticos mais generosos do Século XX. E, talvez, o mais amado."
(Texto da contracapa)

Ernesto Guevara de la Serna, “um asmático apressado", nasceu a 14 de Junho de 1928, em Rosário de Santa Fé, na Argentina. Grande contestatário, foi também um semeador de sonhos. Numa carta de despedida aos pais, diria um dia: “Muitos dirão que sou aventureiro, e sou-o. Com a diferença que eu arrisco a pele para defender as minhas verdades.”

Goste-se ou não dele, concorde-se ou não com as suas ideias, com a sua vida, com os seus actos, com as suas palavras, o Che foi, na verdade, um vulto destacado no seu tempo. Ficou, pois, na História. Na História de nós todos.

sexta-feira, novembro 25, 2005

Li, ouvi e concordei


Muitas vezes até nem estou de acordo com Francisco Louçã. Até mesmo sobre as próximas presidenciais. Mas quando estou de acordo com ele, não me custa nada afirmá-lo. Com toda a tranquilidade e serenidade de quem sabe que a verdade está às vezes onde menos se espera.

É o que faço aqui, ao citar o que a
TSF hoje nos trouxe.

Louçã critica acusações de Nunes da Cruz ao Governo
Francisco Louçã criticou, esta sexta-feira, as acusações ao Governo feitas pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), sublinhando que os juízes «não são um partido político» para fazerem intervenções políticas.

«No exercício da sua magistratura, os juízes não devem ter uma intervenção política. Não são um partido, não deve haver esse tipo de sobreposição», disse o candidato presidencial, durante uma acção de pré-campanha em Viana do Castelo.Na quinta-feira, na abertura do VII Congresso dos Juízes Portugueses, o presidente do STJ considerou que o Governo tem dito mentiras sobre os juízes, quando é «obrigação» do poder político prestigiar e dar os meios à magistratura».

«Em vez de troca de acusações que nos vai enchendo o dia-a-dia, gostava de ter a certeza que a violência sobre as mulheres é julgada a tempo e horas, que não há um impedimento dos pobres de aceder à Justiça (...), que não se espera onze anos pelo julgamento de um processo por atropelamento», sublinhou Louçã.

Quadras III

Eu tenho uma canção
Que canta o homem novo
Eu tenho uma cantiga
Para andar de mão em mão

Eu tenho uma cantiga
Que fala de amor e paz
Eu tenho uma palavra
Para aquele que é capaz

O meu poema não é novo
Outros já o cantaram
Foi feito com as histórias
Dos que por cá passaram

Eu tenho mil palavras
Que de mim querem saltar
Eu tenho mil verbos
Mas só um é o de amar

A minha canção é linda
Como é linda a Primavera
Quando a sinto fico mudo
E falar quem me dera

quinta-feira, novembro 24, 2005

SLB

Mas afinal o que é que se passa com o meu Benfica?

Segundo parece, agora é moda no meu clube de sempre os jogadores lesionados serem obrigados a jogar. Eu até acreditava que essa moda já tinha acabado no SLB (caso do Mantorras, por exemplo). Mas, parece que não. Infelizmente.

Pena que o Presidente do Clube e o homem forte da SAD, que falam tanto (as mais das vezes, demais até), não venham agora explicar e opinar sobre isto. Curioso, no mínimo.

E já agora, que vem na calha, era bom que o técnico principal do SLB, o Sr. Koeman, fosse igualmente visitar a equipa B (e, porque não, os Juniores), porque também lá estão em actividade mais defesas. Poderia assim, quase, construir uma equipa à sua medida: um guarda-redes e 10 defesas. É obra!

terça-feira, novembro 22, 2005

O Jardim (VIII)

Da implacabilidade das suas decisões
Da eficácia sonora dos seus passos
A injustiça fria do humanismo.

Eis o Dente-de-Leão
Feroz destemido arrogante.

Bebe à saciedade o sangue
Dos que lhe passam perto.
E esquece a lonjura da sua fraqueza.

Despreza a história dos fracos
Mas por vezes é absorvido
Pela segurança dos esquecidos.

Os trovadores cantam-lhe as vitórias.
É o que se conhece.
O resto...
Tempo de mentira
Em rostos de máscaras obscenas.

segunda-feira, novembro 21, 2005

Que tempos


Que tempos! Que gente! Nos dias que correm, não interessa o que somos. Não interessa o que fazemos. O que importa mais é, sem dúvida, a imagem do que somos. O que conta é, definitivamente, a maneira como fazemos as coisas. E andamos para aqui a correr de um lado para o outro – "Não tenho tempo para nada, nem sequer almocei hoje..." – para darmos a ideia de que a nossa vida é uma azáfama sem fim. E por isso inventamos mais e mais projectos, mais e mais competências, como se não houvesse mais ninguém à nossa volta. De facto, apenas nos vemos a nós próprios. Cegámos dos outros. Tentamos fazer muitas coisas, se calhar para esconder a nossa incapacidade de fazer apenas uma. Mas fazer bem. Queremos o muito porque somos incapazes do pouco com qualidade.

E nesta bagunça toda, nem interessam os outros. Com os seus próprios ritmos. Eles que venham connosco (atrás de nós). Se não... deixem-se ficar, fracos e vencidos...

sexta-feira, novembro 18, 2005

As maleitas da nossa “normalidade”


Escrevia há dias o meu amigo , que, afinal, tudo estava a atingir a normalidade na nossa vida colectiva. Entre alguns considerandos, de inegável realidade, um me terá chamado a atenção, não só pela sua gravidade, mas pela atenção que os media lhe têm dedicado. Estamos a falar, é claro, nos acontecimentos recentes surgidos em França, sobretudo à volta de Paris (mas não só, infelizmente).

Não é minha intenção abordar aqui e agora as várias questões que, incessantemente, têm vindo a ser dissecadas nas diversas opiniões públicas, nacionais e internacionais. Muito se tem já falado de violência, xenofobia, racismo, intolerância. E também de exclusão, inclusão, integração, até. E ainda de delinquência, traficância, crime. E terrorismo, sobretudo. E, já agora, porque também se tem vindo a abordar, as questões do diálogo de civilizações, das relações entre religiões (ou entre Igrejas, para usar outra linguagem). Afinal, se calhar, o mundo ocidental versus o mundo oriental. Ou até, para ser politicamente correcto, o diálogo Norte - Sul.

Aqui e agora, como dizia no comentário que lá coloquei, apenas quero referir que, se calhar, valia a pena pensar também em como o mundo dito Ocidental, parece que o do Norte, enfim, o mundo desenvolvido, se esqueceu de um pequeno pormenor: o de que era também importante o desenvolvimento dos outros países, os do dito terceiro mundo.
Ou não? E aí é que a porca torce o rabo.

Haveremos de voltar ao tema.

quinta-feira, novembro 17, 2005

Casa Pia


Vieira da Silva, o Ministro da Segurança Social, resolveu manter, para já, Catalina Pestana na Casa Pia. A decisão já estava manchada há algum tempo, tendo em conta as reacções de vários sectores, que surgiram “a anteriori”.

A única certeza que tenho é tão-somente a de que, se a decisão fosse outra, teríamos uma verdadeira revolução na opinião pública (a mesma opinião pública, aliás, que andou bem quieta quando se foram lançando para a lama vários nomes que, afinal de contas, agora estão fora das acusações). Cairiam, não o Carmo e a Trindade, mas seguramente o Centro Cultural de Belém, com o Mosteiro dos Jerónimos e a Torre de Belém a reboque.

Por mim, Catarina, a omnisciente Provedora de uma casa que cada vez mais é menos pia, bem que poderia ir descansar do cargo que ocupa agora. Só lhe fazia bem. E até nem me pareceria mal que ficasse apenas nomeada para acompanhar o julgamento que está a decorrer. E sobre isto, vale a pena lembrar o que Fernando Madrinha dizia há dias no Expresso, na sua crónica “Preto no Branco”: “Para já, o que se pode dizer é que, à medida que os processos avançam, mais dúvidas se instalam sobre a hipótese de se fazer a justiça reclamada por todos num caso que durante dois anos dominou a vida pública nacional. Se há vítimas, decerto que houve agressores. Mas no meio de tantos erros «grosseiros», «dúvidas insanáveis» e malabarismos processuais, pode acontecer que nunca sejam encontrados. A não ser que confessem, claro. E, sendo assim, o mais certo é que Carlos Silvino acabe por pagar sozinho pelos crimes de todos.”

E, já agora, que falamos no caso, parece que o modelo da Casa Pia vai ser reestruturado. É o sentido do relatório apresentado pela Comissão que estudou a instituição. Quer-me cá parecer que não irão ser os mais desfavorecidos o objecto principal e primordial da instituição. E, neste caso, e para já apenas neste caso, até estou de acordo com o que disse Adelino Granja, numa crónica sua num diário, quando afirmou que o Intendente Pina Manique deve estar a dar voltas no túmulo ao ver o que estão a fazer à instituição que ajudou a fundar.

quarta-feira, novembro 16, 2005

Dili

Eras Dili o Arruda do olhar metálico
Era bom o gin no “Pic-Nic” onde nos sentávamos
E era sonho o que falávamos e dizíamos

Em Dili te descobri Fontes esquálido
De carnes secas e gestos largos. Lutávamos
Eu de palavras e tu com mãos. Vivíamos

Era Dili o Benfica dos volantes rápidos
Que em gipes voava voava. Era o teu conduzir
A nossa droga a nossa viagem passada

Em Vila Real encontrei Dili de poemas sabidos
Eram nossas as ruas as praias o veloz porvir
Era o bastão que partia contra uma cabra assustada

Em Dili te embebedaste de xadrez Catuazona
Dos pensos e injecções. Era jogo o que fazíamos
E eram tabuleiros os nossos sonhos de evasão

Em Dili vi o que queria e não queria
Saboreei os dias detido que não percebi
Em Dili recebi louvores e alegrias
E tristezas e pedras que não entendi

Em Dili te descobri Flor-de-Lotus
Mas era amargo o teu sabor
Não o que me diziam doce e suave
Em Dili te descobri mas não o amor

(Teorema, Dezembro 2003)

terça-feira, novembro 15, 2005

100 Entradas


Esta é a entrada nº 100

Esta viagem começou em 27 de Junho de 2005, dando continuidade ao que vinha saindo no irmão mais velho “Sibilon”, que, cansado, se reformou, convicta, serena e naturalmente (embora sem atingir os 65 anos de idade e muito menos os 40 de serviço, o que nos parece uma ilegalidade completa).

Neste espaço têm entrada as palavras, os sentimentos, as razões, os protestos, as alegrias, as desilusões, as tristezas, os estados de espírito de quem aqui vai evoluindo de caneta (ou teclado) em riste.

Por isso mesmo, todos os textos aqui colocados, se não tiverem a fonte devidamente identificada, são da autoria deste vosso humilde (e recauchutado) escrevinhador de palavras. (Espero, com isto, ter respondido às amáveis palavras do amigo
Armando Ésse.)

Já agora, o meu obrigado a quem cá vem visitar-me. É uma honra que espero continuar a merecer.

O Baú da memória (Coisas antigas)

Espelho

Cheguei.
O cansaço invade-me
Após um dia de automóvel.
Entro no meu quarto
E fecho-me.

Olho o livro que tenho nas mãos
E as letras fogem-me
Para o papel, onde rabisco
Algumas palavras sem sentido.
(Palavras sem sentido,
Porém, sentidas.)

No espelho onde me miro,
Não vejo a barba que possuo,
Não vejo os olhos com que enxergo,
A boca com que calo,
O corpo que não sinto.

No espelho que espreito
Vejo-te!

Viseu, 1979
(In “Caminhando”, Suplemento de “A Chama”, Olivais Sul, 1983)

segunda-feira, novembro 14, 2005

A Citação do dia

O mal não é apenas a ausência de bem; é a ausência de tudo o que humano, o buraco negro num cosmo destruído em que nem sequer a face de Deus é eternamente visível.
Morris West

Leituras de fim-de-semana


Pelo interesse que ele tem e pela clareza de raciocínio que revela, não resisto a transcrever este texto (excertos):

Acertar ou não nos agressores

O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que iliba Paulo Pedroso, Herman José e Francisco Alves, no processo Casa Pia, acusa o Ministério Público de «tentativa de manipulação grosseira» dos depoimentos das alegadas vítimas para incriminar os arguidos. Isto significa que, não só os indícios recolhidos eram pouco seguros e fiáveis, como terá havido da parte dos investigadores, segundo a análise e a opinião dos três juízes-desembargadores, o propósito deliberado de os sobrevalorizar com vista à incriminação dos arguidos. (…)

Perante este acórdão, o Ministério Público não pode fingir que não se passa nada, porque a suspeita de que algum ou alguns dos seus membros manipulam depoimentos de testemunhas para perseguir cidadãos é fatal para a sua imagem e para a confiança que tem de inspirar na opinião pública. Aguardam-se, pois, as reacções prometidas. Para já, o que se pode dizer é que, à medida que os processos avançam, mais dúvidas se instalam sobre a hipótese de se fazer a justiça reclamada por todos num caso que durante dois anos dominou a vida pública nacional. Se há vítimas, decerto que houve agressores. Mas no meio de tantos erros «grosseiros», «dúvidas insanáveis» e malabarismos processuais, pode acontecer que nunca sejam encontrados. A não ser que confessem, claro. E, sendo assim, o mais certo é que Carlos Silvino acabe por pagar sozinho pelos crimes de todos.”

Fernando Madrinha, “Preto no Branco”, Expresso, 12 de Novembro de 2005

domingo, novembro 13, 2005

Bom Domingo!

Poesia

A poesia é palavra nascida
Dentro de mim
De ti
Do outro.

A poesia é palavra brotada
De tanto sentir.
Rio de anseio
E de luta.

A poesia é palavra gritada
Por bocas que não conhecem
A mordaça.

sexta-feira, novembro 11, 2005

Leituras interessantes

O Maçon de Viena
José Braga Gonçalves
Ed. Primebooks


José Braga Gonçalves dá-nos, neste livro, uma visão diferente de Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), 1º Conde de Oeiras e 1º Marquês de Pombal, célebre ministro do rei D. José I, o mais notável estadista do seu tempo, não só de Portugal, como de toda a Europa.

Numa história, dentro de uma outra “mais actual”, JBG procura encontrar a linha condutora da vida de um homem do Sec. XVIII, reformador na mais larga acepção da palavra, que tinha Richelieu como seu ideal. Como ele, desejava consolidar o régio poder com o fim de introduzir alterações profundas no regime do Estado. Com o terramoto de 1 de Novembro de 1755, que veio converter Lisboa num montão de ruínas, aproveitou Sebastião de Carvalho para mostrar o seu génio organizador e a sua assombrosa energia.

No fundo, o que parece ficar desta procura é a questão que JBG lança ao vento: Afinal, Sebastião José, o Marquês de Pombal, o reformador, o admirador de Richelieu, Cardeal e Chanceler de França, era apenas Maçon (iniciado em Viena de Áustria), ou também – e sobretudo – membro dos “lluminati”? E não é inócua, nem ingénua, esta diferença. Estará JBG a falar de quem? Apenas do Marquês de Pombal?

“A sua atenção recaía sobre a vida e não a morte, abissal diferença entre o ritualismo dos illuminati e dos maçons.” (Pg. 96)


Quer-me parecer que José Braga Gonçalves começou, desta maneira, a ajustar algumas contas. Primeiramente consigo próprio. Depois com os outros todos (amigos, ex-amigos, companheiros, ex-companheiros…).

E de uma coisa parece estarmos certos: ele sabe bem com quem. E quer-me parecer também que eles o sabem igualmente.

Um livro que vale a pena, seguramente, ler.

quinta-feira, novembro 10, 2005

Os amigos fazem anos


A Fábrica faz hoje um ano de vida.

Como eu dizia, um dia destes, dobrar o cabo de mais um ano é sempre oportunidade para olhar para a poeira do caminho que passou e que lá continua a olhar-nos, as mais das vezes, com a serenidade do tempo. Mas é também – e sobretudo – oportunidade especial para olhar o horizonte, o distante, o quase fundo do caminho, a montanha lá à frente, que nos precede e espera, as mais das vezes, com a paciência do tempo.

Ao amigo Armando Ésse, responsável por este acolhedor espaço, aqui deixo com um abraço de parabéns, uma mensagem, com votos de bom e saudável sucesso para os próximos tempos. E, já agora, que sejam longos e plenamente realizados.

Que é a liberdade
Se não houver homens livres?

Que é a tolerância
Se não existirem homens tolerantes?

Que é a fraternidade
Se não se encontrarem homens fraternos?

A Associação do Dr. Cordeiro (2)


Depois de ouvir, ontem na SIC, uma representante de um estabelecimento com permissão para vender medicamentos sem receita médica, aliás na sequência de notícias da comunicação social do mesmo teor, afirmar que as empresas de distribuição de medicamentos da zona centro não as forneciam, ficam-me, para além das dúvidas que tinha ao escrever isto, outras ainda maiores e mais preocupantes.

- Será que as empresas distribuidoras são, afinal, já tão ricas que já não precisam de mais volume de negócios (aliás como é seu objectivo)? Masoquismo puro?

- Ou será que alguém lhes assoprou ao ouvido para tomarem tais medidas? E, neste caso, quem lhes repõe o negócio que não é feito?

- Será que a dita associação é assim tão forte que já consegue ser ela a ditar as leis de todas as demais empresas do sector? Manda mais até que o Infarmed, ou o próprio Ministério?

- Será que na minha terra tudo se pode? Não há limites à ambição desmedida?

É claro que tudo isto são dúvidas que me assolam. Dúvidas, apenas.

terça-feira, novembro 08, 2005

A Associação do Dr. Cordeiro


Dá que pensar, ao ler isto.

É que, quer-me cá parecer que quando me dirijo a uma farmácia para adquirir um qualquer produto que lá se venda (remédios, cosmética…), julgava eu que estava a pagar, com a ajuda do Estado (Segurança Social), o que precisava para tratar da minha saúde, e afinal estamos, eu e todos os contribuintes, tão-somente a contribuir para que a Associação do Dr. Cordeiro possa aumentar os seus proveitos com a aquisição de participações em diversas empresas.

Se isto não é a concretização de um império económico (para não dizer outra coisa menos simpática), então já não percebo nada de nada. (Se calhar até é verdade!...)

segunda-feira, novembro 07, 2005

Trevas sobre Paris

Foto: Le Monde

De Paris não nos chegam novas de paz.
De Paris, apenas nos chegam os clamores da dor.
De Paris, apenas se ouvem as vozes da intolerância, do desespero, da raiva, da surdez, do ódio.
Em Paris, apenas correm rios de tristeza, de amargura, de sofrimento.

Em Paris sofre-se.
E de Paris chega-nos o medo da nossa própria insegurança.

domingo, novembro 06, 2005

Manifestos


Manuel Alegre apresentou, publicamente, na Sexta-feira passada, o seu manifesto eleitoral. Sem mais comentários, não resisto, para já e a quente, a algumas citações:

“(…) A primeira proposta que quero apresentar aos portugueses é a construção de uma sociedade de confiança, mais próspera e mais justa. Confiarmos mais uns nos outros e na nossa capacidade produtiva, confiarmos nas palavras que trocamos e nos compromissos que assumimos, confiarmos na nossa comum honradez contra a corrupção. E resolver uma velha questão nacional: fazer com que o Estado confie mais nos cidadãos e com que os cidadãos confiem mais no Estado. (…)

Não basta que um candidato faça afirmações genéricas sobre a necessidade de intransigência perante o laxismo e a corrupção. Não se pode, por exemplo, deixar de perguntar se um cidadão pronunciado, ainda que sem pôr em causa a presunção de inocência, poderá ser candidato a cargos políticos.

Se for eleito, não deixarei de colocar esta pergunta em mensagem dirigida à Assembleia da República. (…)”

sexta-feira, novembro 04, 2005

Coisas da vida

Depois de ver isto e isto, mais razões encontro para o que escrevi aqui.

O nome dele ainda está na Comissão de Honra?

Solidariedade

Gritaste.
Deixaste sair de ti a voz
Cansada e desanimada,
Entranhada pelo drama.
Voou das tuas mãos, já abertas,
A pomba de um olhar feito esperança.
Na casa onde te fechaste
Só resta a negritude asfixiante
De um caminho bloqueado.

Convidei-te a um passeio
Que fosse encontro, reencontro,
Com a natureza, contigo.
Passo a passo, ao som das ondas,
Cheirando a maresia, a húmus, a mar,
Conhecemos o sabor triste e amargo
Da nossa vontade paralítica,
Do nosso querer, feito impotência.

(Lisboa, 1978)
(In “Caminhando”, Suplemento de “A Chama”, Olivais Sul, 1983)

quinta-feira, novembro 03, 2005

O Jardim (VII)

A um canto isoladas
Furtivas e esconsas
Algumas ervas daninhas.

Sorriem agitadas
E de soslaio
Na mesquinhez dos seus gestos
Crispados e viscosos.
E nos seus olhos descobrem-se
Ironias de sentimentos reprimidos.

Afastam-se da vida colectiva
E escondem-se mordazes
Na hipocrisia das suas palavras.

São escorregadias e sinuosas
E calam a verdade.
Trazem no ventre o escuro
E destroem a cor e a luz
Que habita o jardim.

O seu futuro
É a foice da sabedoria.

quarta-feira, novembro 02, 2005

Coisas da vida

Procuradores com Soares
O Procurador-Geral-Adjunto do Ministério Público, António Cluny integra a Comissão de Honra da candidatura presidencial de Mário Soares.
Expresso, 29 de Outubro de 2005-11-02

Cada vez mais razões para não se apoiar Mário Soares.


Há coisas que me têm incomodado em Manuel Alegre. Falo até como militante de um
partido.
Joana Amaral Dias
(Dirigente do BE, mandatária da juventude de Mário Soares)
O Independente, 28 de Outubro de 2005

Quer-me cá parecer que também há coisas que me estão a incomodar em Joana Amaral Dias. Falo até como eleitor.

sexta-feira, outubro 28, 2005

Bom Fim-de-Semana

Todas as vezes que me esperarem

Todas as vezes que me esperarem
Saibam que me posso demorar

Fui já muitas vezes
Pelo menos neste tempo imperfeito
O esperado de viagens inesperadas

Todas as vezes que me esperarem
Saibam que posso antecipar-me

quinta-feira, outubro 27, 2005

Desassossego

Sinto-me perdido e sem norte
Na praça dos que giram sem bússola.

O meu desassossego é considerar-me
Preso ao que não compreendo.

Sinto-me do lado de lá da fronteira.

Entre mim e os que habitam a Praça
A barreira das convenções, das regras, da lei.

Dos moradores da Praça para mim
A indiferença, o esquecimento, a porta fechada.

De mim para os de dentro
A compreensão da sua cegueira.

Por isso, as minhas incursões
Em terras que não me pertencem.

Lisboa, 1977
(In “Caminhando”, Suplemento de “A Chama”, Olivais Sul, 1983)

quarta-feira, outubro 26, 2005

Desabafos de privilégios (2)

Hoje de manhã, vi e ouvi, na RTP, um dos Juízes em greve, a justificar as suas posições. Continuei de boca aberta. Por decoro, não reproduzo aqui o que me veio ao pensamento (ou até o que se me escapou verbalmente, sem querer, o que motivou, aliás, reparos da minha companheira).

Palavra de honra, é não ter vergonha nenhuma na cara. Sobretudo é não ter respeito nenhum por todos aqueles que, como disse ontem, são os verdadeiros deserdados da vida, os que levam da vida o sabor amargo da necessidade básica não resolvida, os que nunca contaram para nada (nem para esta comunicação social tão atenta e solícita a estes tão dignos representantes da soberania enquanto órgão).

Então não é que estes Senhores, que se julgam acima de todos os outros seus concidadãos (basta ver quem julga os seus recursos, quem define – ou quer definir – as regras das suas greves - serviços mínimos, etc.), vêm agora carpir – tipo viúva sofrida – sobre o estado da Justiça em Portugal. Só agora? Por onde têm andado eles todos estes anos?

Parece, de facto, que hoje tudo está parado nos serviços de justiça. Bom, se se perguntar à geral, creio que ninguém vai reparar, tal o atraso que por lá anda.

terça-feira, outubro 25, 2005

Rosa Parks


Faleceu, hoje, em Detroit, Rosa Parks, considerada um dos ícones do movimento dos direitos civis dos negros, nos Estados Unidos. Tinha 92 anos.

É bom saber que há pessoas, como o Armando Ésse (A Fábrica), por exemplo, que cá estão para nos lembrarem do que é importante.

Desabafos de privilégios


Cá para mim já está a cheirar mal (mas mesmo muito) todas estas situações ligadas às questões dos magistrados do ministério público e dos seus funcionários.

Depois de ouvir, hoje na comunicação social, os argumentos dados por um juiz, pasmei e fiquei de boca aberta. Para não dizer outra coisa (o pensamento é livre e escapam-nos muitas vezes expressões bem mais fortes). Na verdade, são uns desgraçados, cheios de problemas com a vida que levam, com ordenados de miséria, com cargas horárias sobre-humanas, trabalhando debaixo da tirania de patrões execráveis, que os não deixam levantar sequer a cabeça. E se protestam ou recorrem do que lhes impõem, as sentenças são sempre contra si.

A sério, a sério, quer-me cá parecer a mim que um dia os verdadeiros deserdados da vida, os que levam da vida o sabor amargo da necessidade básica não resolvida, os que nunca contaram para nada (nem para esta comunicação social tão atenta e solícita a estes tão dignos representantes da soberania enquanto órgão), poderão dar-lhes a resposta adequada. E, se calhar, necessária. E, curiosamente, com a calma, a mansidão, a paz, a justiça que, por agora, esses Senhores parece não terem.

E já agora, para que não hajam dúvidas sobre algumas coisas, vale a pena ler este post do Câmara Corporativa sobre os vencimentos dos juízes e procuradores por essa Europa fora.

Haja Deus, meus Senhores!

Cá vamos cantando e rindo…


Hoje à tarde, não estarei de certeza no Hotel Ritz, na apresentação do manifesto da candidatura de Mário Soares à Presidência da República.

E por falar nisso: porque será que quando olho a candidatura de Mário Soares, me lembro logo de sucessões monárquicas? Ou que quando olho a candidatura do Senhor Silva, me lembro logo de caudilhos?

Que me desculpem o desabafo. Mas serei eu, estou certo, que estou a precisar de me recompor.

segunda-feira, outubro 24, 2005

Trova do meu jardim

Ai vento do meu País
Que novas do meu Jardim?

São tempos difíceis e turbulentos
Estes dias de gente estranha e esquisita.

Ai vento do meu País
Que novas do meu Jardim?

São dias e dias de desalento
Em horas e horas desiguais.

Ai vento do meu País
Que novas do meu Jardim?

São dias de caras longínquas e disformes
Feitas esgares de impropérios sonoros.

Ai vento do meu País
Que novas do meu Jardim?

Espero tempos de mudança segura
Em momentos drásticos de incerteza.

E são tempos de ocasos vermelhos
Do sangue que já nem bebemos.

Ai vento do meu País
Que novas do meu Jardim?

Trazes tão somente o sonho
Que teimamos ainda respirar.

(Teorema, Dezembro 2003)

sábado, outubro 22, 2005

Bom Fim-de-Semana

Dias dos Reis
Quinta da Regaleira, Sintra

O Senhor Silva (2)

"É este D. Sebastião do século XXI que deixou o país numa profunda crise após dez anos do seu governo"
Jerónimo de Sousa, sobre Cavaco Silva num comício em Lisboa
(Público, “A Frase”, 22 de Outubro de 2005)
Embora nem sempre, nisto, pelo menos, estou de acordo com Jerónimo de Sousa.
Na verdade, eu não diria melhor.

sexta-feira, outubro 21, 2005

O Jardim (I)

Há de tudo no meu jardim.

Não é muito grande.
Mas tem alguns canteiros
Plenos de cor e vida
Porque as flores crescem viçosas
E não se cansam de cantar.

Tem uma árvore grande
Ao centro - é claro!
A sua sombra suave
Acolhe como um pai
Aqueles que se abandonam
Às suas carícias ternas.

E tem algumas pedras
O meu jardim pequenino
Como o planeta do pequeno príncipe.
E são duras e secas e soltas
E às vezes aleijam.

E tem ervas e cardos e espinhos
Que se escondem a um canto
E por vezes surgem e desaparecem
Traiçoeiros e maldosos.

Há de tudo no meu jardim.

É pequeno como um ninho
Mas quando o olho e sinto
Parece enorme como a Via Lactea.

É um jardim que é só meu
Porque só eu sou capaz de o ver.

quinta-feira, outubro 20, 2005

O Senhor Silva

Parece que é hoje. Finalmente vai acabar o folhetim (tabu contra o ruído…). Segundo dizem os seus fiéis “sacerdotes”, os que, nos tablóides e noutros que tais, andam à tempos imemoriais a arengar-nos a paciência com as doutas virtudes do mesmo, o “desejado” vai ser revelado, hoje, no altar do Centro Cultural de Belém. Qual querubim, serafim, ou seráfico ser, digno das mais elevadas primícias eternas, ele aí está, com todo o seu esplendor.

Cá por mim, cheio de dúvidas e que me engano muitas vezes (porque ser humano, afinal), desconfiei desde sempre daqueles que se assumem como os que “nunca têm dúvidas e raramente se enganam”.

Por isso, cá por mim, o Senhor Silva poderia ter ficado lá por Boliqueime. Acho que ficaríamos todos a ganhar…

quarta-feira, outubro 19, 2005

Ditadores e Ditadores (2)

Depois de ter escrito o post anterior, deparei com esta notícia no Público.

No entanto, e pelo andar da carruagem, não vamos ter com este ex-ditador do Chile, a mesma pressa, a mesma pressão, a mesma urgência que estamos a ter – e muito bem, diga-se – com o ex-ditador do Iraque.

Cá para mim, está-se à espera que Augusto Pinochet parta para a derradeira viagem, para depois lamentar-se que já não se pode fazer nada. Coitado.

(Em memória dos que pereceram por pensarem diferente…)

Ditadores e Ditadores


Segundo rezam as crónicas, começa hoje, em Bagdad, o julgamento de Saddam Hussein, ex-ditador do Iraque. Como diz o Público, “o «grande líder», como se fazia descrever, comparando-se a Nabucodonosor, que conquistou Jerusalém, ou a Saladino, que venceu os cruzados, sonhava unir todos os árabes numa só nação sob seu controlo.” É, segundo consta, o primeiro líder do mundo árabe a sentar-se no banco dos réus.

Se Saddam Hussein cometeu os crimes de que é acusado – e tudo leva a crer que os tenha cometido – então que seja julgado e condenado. Sobre a pena a atribuir não me quero pronunciar, para além de que, por motivos sérios de consciência, continuo a acreditar que a pena de morte não tem justificação ética, nem moral.

E sobre a pena de morte, subscrevo o que afirma a Amnistia Internacional:

“A pena de morte é a punição mais cruel, desumana e degradante.
Viola o direito à vida.
É irreversível e pode ser infligida a inocentes. Nunca se provou que fosse capaz de diminuir o crime mais eficazmente do que outras formas de punição.”

Mas, já agora, que vem também a jeito, gostaria de lembrar outros casos de ex-ditadores, para os quais não se usou o mesmo critério, a mesma medida, o mesmo rigor e a mesma pressa na condenação. Lembro-me, por exemplo e tão-somente por agora, de Augusto Pinochet, ex-ditador do Chile. Quer-me cá parecer que os que morreram no Chile eram de segunda classe, em relação aos do Iraque.

Julgue-se, pois, Saddam Hussein. Com seriedade, com liberdade, com justiça.

terça-feira, outubro 18, 2005

O meu Tio Francisco

O meu tio Francisco partiu. Embarcou na barca que o levará ao encontro com as origens de tudo. Origens que, ao serem encontradas, se transformarão em ocaso. Ocasos de origens perenes.

O meu tio Francisco era um homem bom. O meu tio Francisco tinha um coração grande como grande era o sorriso que surgia quando nos via. E se sorria – até à gargalhada franca, liberta e sincera – quando connosco se sentava a conversar das coisas que a vida nos dava.

O meu tio Francisco era nosso tio porque um dia a tia Benvinda o descobriu bem lá no fundo do seu coração. E estou mesmo em crer que a descoberta foi, de facto, mútua. Daí até aos dias de hoje, eles foram, tão-somente, os nossos tios.

O meu tio Francisco partiu.
Cá por mim, até sempre, T’Chico!

segunda-feira, outubro 17, 2005

Viagem Incompleta

Gosto de viajar.
Porque viajar é sempre partir
E descobrir novos lugares.
É também chegar
E esperar novos tempos
De um tempo que por vezes não retemos.

Eu sonho viagem
Na memória do meu tempo
E descubro novos caminhos a percorrer.

Porque incompleta – a minha viagem – a minha viagem
Não tem início nem ocaso.
(Que eu saiba…)

sábado, outubro 15, 2005

Renascer


Depois da onda, vaga estrondosa,
A calma necessária e repousante.

Depois da tempestade fustigante,
A bonança útil e agradável.

Depois do desânimo, quase desespero,
A esperança a bailar nos teus olhos.

(Lisboa, 1978)

sexta-feira, outubro 14, 2005

Intervalos (involuntários)

Para já, as minhas desculpas, pela confusão que vai por estas bandas.
É que, por vezes, quando não queremos, isto dos computadores estraga-nos o que desejamos. Coisas de quem anda continua aprendiz destas novas maneiras de comunicar.
Prometemos "acalmar" brevemente.

quinta-feira, outubro 13, 2005

Tem valido a pena!

Eu sei que é difícil viver comigo.
Porque viver comigo
É descobrir a incógnita
E o inimaginável.

Eu sei que comigo a vida é um risco.
Porque eu sou a aventura
De uma estrada por rasgar.
(E a minha estrada está cheia
De buracos e de pedras soltas.)

Eu sei que é difícil viver comigo.
Porque sou eu o desconhecido
A fera por amansar.
Sou mar revolto por amainar.

Eu sei que é difícil viver comigo.
Porque é duro viver comigo.

Mas eu não sei viver sem ti!

gggggggggnnnnnnnnggggggggnnnnnnnggggggggggg
Ah! Hoje faço hoje 26 anos de casamento.
Eu e a Senhora que faz o favor de viver comigo na mesma casa, merecemos, de facto os parabéns.

terça-feira, outubro 11, 2005

Linhas


Uma linha ténue
Fraca, ingénua, insegura
Sustém com vigor
O branco omnipotente
Que se espraia
Sob a caneta colada
À minha mão
Ainda insegura

segunda-feira, outubro 10, 2005

O Baú da memória (Coisas antigas)

Não sei porquê, hoje, lembrei-me deste poema, que escrevi há tempos…

Cantarei o meu povo!
Mesmo que o dia que surgiu desapareça
E seja substituído
Por uma longa e escura noite.

Cantarei o meu povo!
Embora a alegria que me invadira
Tenha caído no poço negro e profundo
Da desilusão que me abraçou.

Cantarei o meu povo!
Mesmo que a esperança tardia
Que me tinha prendido
Tenha sido transformada
Numa entorpecente mágoa.

Cantarei o meu povo!
Porque sem ele não vivo,
Não existo, não respiro, desespero.
A ele fui ligado por um acto
Tão belo, tão vital: nasci.

Cantarei o meu povo!
Porque me canto.
(Lisboa, 1980)

(In “Caminhando”, Suplemento de “A Chama”, Olivais Sul, 1983)

sábado, outubro 08, 2005

Quadras - I

Vós que me falais direito
E de falinhas tão mansas
Olhai que tenho no peito
Olhares cheios de esperança.

O que eu vi nesta cidade
Passeando por tantos cantos
Deixou-me nesta ansiedade
De ver assim tantos prantos.

Gente que entra e que sai
Gente que vem e que foge
Gente que vai e não vai
Gente que parte ‘inda hoje.

Vi olhos de compaixão
Vi olhos cheios de medo
Vi olhos que dizem não
Vi olhos que são segredo.

Senhores do mundo donos
Tendes olhares mortiços
Julgais que tendes abonos
E só vos restam postiços.

De mim dizeis a loucura
Da gente que sujeitais
Olhai que a nossa frescura
Vence sempre os generais.

sexta-feira, outubro 07, 2005

As Palavras do Presidente

O discurso do Presidente da República, nas comemorações do 5 de Outubro, já começou a dar que falar. Ao ponto de merecer, até, da parte da Presidência, de explicações (para dissipar dúvidas, dizem) sobre as palavras proferidas. Discurso claro, no entanto, que parecia ter uma leitura simples, que era a de que quem possuísse bens ou riqueza acima dos seus rendimentos declarados, deveria provar a legitimidade desses bens ou riqueza. Disse-o clara e simplesmente:

"Quem enriquece sem se ver donde lhe vem tanta riqueza terá de passar a explicar à República como e quando, isto é, a ter de fazer prova da proveniência lícita dos seus bens".


As reacções não se fizeram esperar e conseguiram trazer para a discussão pública, não o que o Presidente afirmara, mas sim a questão (dizem técnica) de ‘inversão de ónus de prova’. E já muito se anda a discutir isso mesmo. O importante não é haver quem detenha riquezas e bens enormes, declarando rendimentos de ‘salário mínimo’, mas sim quem é que tem de provar isso.

E as reacções foram as que se podem esperar hoje na nossa sociedade: uns assustaram-se e atiraram logo com a questão dos direitos fundamentais, outros, poucos é claro, apoiaram com entusiasmo as palavras do Presidente da República, e outros, talvez a grande maioria, continuam a assobiar para o lado.

Cá por mim, continuo – e cada vez mais julgo que com mais razão – a pensar que, quem tem mais bens ou riquezas do que o que declara, para fins fiscais, deve ser ele (ou ela) primeiramente a esclarecer a proveniência dos mesmos. Por uma questão de princípio. De lisura, é óbvio. De ética, claro. E se forem culpados de enriquecimento ilícito, então que sejam julgados e punidos – já agora, com alguma rapidez, por favor, e se os Srs. Juízes não se importarem, claro… (É que ainda poderemos ver, por exemplo, donos de restaurantes de luxo a declararem o ordenado mínimo como rendimento, ou a haverem contas chorudas em bancos no estrangeiro a não serem declaradas pelos seus donos.)

Ah! Desculpem-me lá: já sei que sou um ignorante, um iletrado, nas questões das leis, do direito, da justiça. É verdade, não tenho formação jurídica. Nisto de direito, sou um completo zero à esquerda.

Cá por mim continuo, apenas, a ver-me à rasca para que os dias de ordenado correspondam aos dias de mês. Vá lá, vá lá…

quinta-feira, outubro 06, 2005

As Feras


Vêm em bandos,
Alguns,
E sôfregos sugam o néctar.

Correm a pressa
Das muitas coisas que desejam.

Mas depressa se quedam
Porque trôpegos de idéias.
(Teorema, Dezembro 2003)

quarta-feira, outubro 05, 2005

Dúvidas existenciais

Porque é que será que quem escreve (será o Director?) o artigo "Despesa Pública pode aumentar quatro por cento", no Público de hoje, ao referir-se ao Ministro das Finanças, o trata como "o sucessor de Campos e Cunha"? Porque não tratá-lo tão-somente pelo seu próprio nome? Que trauma, que fobia tem o Público (e, já agora, outros iluminados da nossa praça) para sistematicamente terem estes preciosismos? Serão os mesmos que, quando Campos e Cunha era Ministro, o desancaram até à exaustão? Serão remorsos?...

E, já agora, embora completamente leigo nestas questões (pelo menos nestas) de economia, não percebo muito bem o medo e a fobia que J.M. Fernandes e o seu Público têm pela despesa pública. São os horrores da nova mentalidade economicista que grassa por aí. Devem estar na onda dos ‘sábios’ do Conselho de Cooperação Económica (CCE)... (Sobre isto, vale a pena ler o Canhoto)

Como diz E. Prado Coelho, também no Público de hoje, na sua coluna de opinião, "(...) E a grande distinção: os que vêem apenas a economia na economia e os que vêem também a necessidade do social. E procuram reduzir o desemprego, dar-lhe um tratamento específico, criar formas de apoio. Mas há os outros que são insensíveis. Em nome de uma felecidade futura que nunca chega a ser nomeada, sacrificam tudo. Falariam com mais veemência e envolvimento, se os desempregados fossem eles. Mas entre piscinas em residências secundárias, jaguares, andares na EXPO e viagens às Maldivas, o desemprego é um tema mais leve."

Ah! Bom 5 de Outubro. Que os valores que inspiraram e motivaram esta revolução nos façam continuar a acreditar no futuro, por muito distante que ele esteja.

terça-feira, outubro 04, 2005

O Jardim (XI)

Esverdeadas de fel
Projectam rancores em ebulição.

São as eternas contradições
Dos sonhos feitos utopias
Que acordam a vida que permanece.

Escondem frustrações ambíguas
Feitas ânsias de loucura.
E surgem os mitos
Os enganos
As invejas
Os sorrisos.

E surge a mentira
A hipocrisia
A prepotência
A intolerância.

Dos dias escolhem
A noite
Dos mortos que permanecem.

São os fantasmas do real
A ironia do ser
Feito não ser.

Fogos-fátuos da existência
São as azedas do quotidiano
Da vida que arriscamos.

segunda-feira, outubro 03, 2005

Os pequenos nadas…

Foi bom o meu fim-de-semana. Fora da Cidade Grande, no aconchego de um pinhal/praia, tão perto e tão longe de tudo. De há uns tempos a esta parte não tinha tido uns dias assim tão tranquilos. Tão cheios de nada. Tão agradavelmente vazios de tudo. Tão satisfatoriamente ausentes de notícias.

Tirando uma fugaz passagem por algumas estações televisivas, que demorou tão-somente o tempo necessário ao carregar da tecla do comando de televisão, até o meu fim-de-semana televisivo se resumiu a um filme e um documentário sobre animais. Refrescante, pois!

Mas, hoje de manhã, tudo voltou ao que era. Ao acordar, e para me lembrar, se calhar, do que aí vem, lá estava uma viatura de som, de um partido concorrente às autárquicas próximas, determinado a lembrar-me da cruz no branco do voto. (Ou, se calhar, com o ruído que fazia, a lembrar-me de votar noutro qualquer.)

sábado, outubro 01, 2005

Bom Fim de Semana

Ramiro Ribas
Horizonte Marino
Óleo sobre tabla., 50 x 35 cm.

sexta-feira, setembro 30, 2005

Dom Figurão

Muito espera Dom Figurão
Do pouco que resta à plebe.

Fala alto com palavras sonoras
Mas cala o olhar a quem o descobre.

Assume a imponência com bravura
Mas foge quando o combate é iminente.

Muito alcança Dom Figurão
Com o silêncio da plebe adormecida.

Usa o poder seguro da sua grandeza
E despreza a força dos fracos e indefesos.

Só tem uma palavra. A sua.
Os outros apenas podem ouvir. E anuir.

Muito pode Dom Figurão
Com a fraqueza da plebe submissa.

Sonha reinos libertos e vivos
Que produzam consumidores paralíticos.

Desce à plebe com gestos esquivos
Árido de sentimentos e afectos.

Muito quer Dom Figurão
Tanto, tanto... mais não.



(Teorema, Dezembro 2003)

quinta-feira, setembro 29, 2005

Fábulas Políticas

O Presidente da República, é suposto ser um órgão independente, que trata todos os cidadãos da República com igualdade, equidade e imparcialidade. É suposto, ainda, como dirigente máximo do País, possuir as virtudes necessárias a quem ocupa tal cargo: clareza, equilíbrio, ponderação, contenção, atenção aos acontecimentos, decisão, bom-senso. Bom-senso, sobretudo.

O que o cidadão comum espera do Presidente da República é que olhe para cada um deles da mesma maneira. E os trate de igual modo. O que o cidadão comum espera é que o “seu” Presidente não os encare como cidadãos de primeira e cidadãos de segunda. Afinal, como um pai, que olhe os filhos todos da mesma maneira. E não que considere uns filhos e outros enteados.

Ora, o que o Presidente da República fez ao receber os representantes sindicais ligados à justiça - já com formas de luta marcadas – (e não sei se foram todos), ou melhor dizendo, ligados à Magistratura, foi, na minha opinião, um acto de falta de bom-senso. No mínimo.

O Presidente da República tratou uma pequena parcela de portugueses como, creio, nunca tratou, ao longo dos seus mandatos, qualquer outra. E, sendo assim, o Presidente de todos os portugueses não praticou, neste caso, a igualdade, a equidade e a imparcialidade, valores que fazem parte do seu múnus público.

Ora, digam-me lá que outras situações como esta foram protagonizadas pelo Presidente da República? Por exemplo: alguma vez recebeu representantes sindicais da metalurgia, aquando da realização das suas jornadas de luta? Ou os representantes dos sectores dos serviços. Ou os sindicatos ligados aos sectores da administração pública? Da saúde? Da educação? Eu sei lá…

Cá por mim, avanço já com uma sugestão: que o Presidente da República comece, de imediato, a receber os representantes dos variados sectores da sociedade portuguesa. A começar, para já, com os representantes dos trabalhadores (a dos patronais, enfim, têm vindo a ser recebidos normalmente…).

Por mim, como ajuda humilde, eixo aqui indicados alguns parceiros sociais, por onde o Presidente poderá começar a fazer as marcações de reuniões (a ordem é perfeitamente e naturalmente arbitrária):

  • CGTP
  • UGT
  • Sindicato do Serviço Doméstico
  • SINTAP
  • Federação Nacional dos Sindicatos da Função Pública
  • STAL
  • FESAP
  • Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado
  • Sindicato dos Seguranças da Polícia Judiciária
  • Sindicato dos Trabalhadores da Construção, Madeiras, Mármores e Cortiças do Sul
  • APP/PSP - Associação dos Profissionais de Polícia
E há mais… Basta consultar uma qualquer lista telefónica

Já agora, estou em crer que ainda se conseguiria transferir a data das próximas eleições presidenciais para mais tarde – lá para os finais do próximo ano – para que haja tempo para o actual Presidente possa, assim, receber a totalidade dos parceiros sociais.

(Enfim,,, Talvez nem valha a pena levarem-me a sério!)


quarta-feira, setembro 28, 2005

Batem à porta

Batem à porta.
Na sala onde me liberto
Absorto e indiferente
Apenas o fumo do cigarro
Que repousa na minha mão
Me liga à vida e ao presente.
Nada mais do que tempo
Que de tempo se libertou.

Batem à porta.
Cá dentro, onde me confundo
Com o fumo que dos meus dedos
Abandonados evolui em espirais
Sinto-me tranquilo
Como tranquilo é o ar que respiro.
Cá dentro, eu comigo próprio.
Sem saber ainda que comigo
Apenas o fumo me separa de mim.

Lá fora, não sei. Ainda.
Só sei que batem à porta.

Batem à porta.
Ouvi nitidamente as pancadas.
Diz o vate que foi ver.
Eu fiquei cá dentro. Ainda.

terça-feira, setembro 27, 2005

O Homem Maquinista

(Ao meu Pai)

Tu és quem conduz outros
Em máquinas de ferro que tremem
Em dias e noites que não acabam.
Tu és quem na viagem não descansa
Não vê a árvore que corre ao teu lado
Não sente o galopar dos cavalos
Em campos velozes e verdes.

Tu és quem por vezes se engana
E tropeça no caminho metálico
De linhas-férreas cinzentas e longínquas.
Tu és o desejado de viagens desejadas
E o amaldiçoado de levas desesperadas.

Dizem do teu olhar o longe e o perto
De terras possuídas e amadas
De cidades opressoras e renegadas.
Falam da vida que não te deixam
Das horas que querem e não desejam
Dos dias que esperam e não vivem.

Tu és o homem da máquina
Que absorve gente apressada e anónima
Que não sente o banco ou a poltrona
Mas sente a demora e o cansaço.
Tu és a máquina a abater e a esquecer
Se a noite se aproximar e ficar
Na vida dos que estão no teu ventre.

Quando a cidade acolhe o entardecer
E as luzes se acendem em muitas casas
És tu quem parte de mansinho sossegado.
És a máquina que se despede e abala
Ao encontro de novos dias.
Quando a cidade muda de lugar
És tu quem parte e carrega a carruagem
Repleta de olhos e rostos desconhecidos.

Mas há aqueles que não te conhecem
E te tratam por números e números
E apenas olham para o produto de ti.
Há os que só te falam e vêem
Quando precisam de lugares e poltronas
Numa carruagem almofadada e decorada.
Não sabem o sabor de sentinela
Atenta no caminho e no horário a cumprir.
Há aqueles que podem mandar.
Tu és o homem da máquina mandada.
Os outros nunca erram. Parece.
Na verdade não os viste ainda julgados
Sentados à espera de qualquer sentença.
Os outros dizem que erraste.
E tu erras não parcas vezes é certo.
Como os outros. Como todos. Como eu.

Porém a ti julgam-te em gabinetes
Onde os outros se nomeiam para novos cargos.
A ti condenam-te rápida e facilmente
Com a mesma velocidade com que os outros
Se abraçam e se escondem no seu poder.
A ti silenciam-te no esquecimento
Dos jornais e altifalantes que falam dos outros.
Tu és julgado. Condenado. Esquecido.
Os outros... Os outros...
Quem sabe?...


Lisboa, 1978

segunda-feira, setembro 26, 2005

Manuel Alegre

(Escrito a quente, na noite de Sábado, 24.09.05)
O que faz correr Manuel Alegre? Quando no Telejornal da RTP1 o ouvi anunciar, hoje, a sua candidatura a Presidente da República, fiquei triste. E, digamos com franqueza, fiquei quase desiludido. Porque o não esperava. Porque, afinal, me enganei.

Como já aqui afirmei:
Tenho por Manuel Alegre muito respeito. E admiração. Como homem, como poeta (maior), como político.
Por isso, saudei a disponibilidade e a vontade manifestada por Manuel Alegre quando se candidatou à liderança do Partido.
Por isso, saudei a sua disponibilidade e a sua vontade em se candidatar às próximas eleições presidenciais, quando se verificava o vazio de candidaturas existente.
Foi, na minha opinião, então, um homem de coragem, com o sentido do dever, com a vontade de se colocar ao serviço dos seus ideais.

Só que, há alturas na vida que a vida nos surpreende. E, de um momento para o outro, no seu Partido de sempre, a escolha presidencial recaiu noutra figura igualmente grande da nossa história recente, Mário Soares, afinal, seu amigo de longa data.

Por isso, não consigo perceber as razões que levaram o Poeta a tomar esta decisão. Nas próximas presidenciais, quer queiramos, ou não, a grande decisão que se irá colocar aos portugueses é a opção entre as candidaturas de Mário Soares ou de Cavaco Silva. Tão simples quanto isto. Sem mais.

Por isso, entendia eu que Manuel Alegre, depois de um acto generoso de disponibilização política, teria compreendido o que se estava a passar e daí tiraria as respectivas ilações. Teria entendido, sobretudo, que, agora, o tempo era já outro. Teria percebido o que, agora, estava em jogo.

Por isso, de facto, não consigo perceber o que faz correr Manuel Alegre. Ou o que querem os que o terão pressionado. Serão os mesmos que não apareceram quando, então, se tinha disponibilizado para se candidatar?

E, já agora, apenas duas notas:
  • Manuel Alegre é candidato para ser eleito Presidente da República, ou apenas lá vai para “ajudar a derrotar Cavaco”?
  • Tendo o PS (Partido onde está filiado) optado por apoiar oficialmente outra candidatura, não deveria Manuel Alegre, antes de a assumir publicamente, desvincular-se da sua filiação partidária?

Ou será, afinal, que Manuel Alegre estará tão-somente a corporizar uma ideia que está a perturbar uma parte da esquerda portuguesa. Aqueles que se deixaram convencer (por sondagens ou outros meios...) que Cavaco terá todas as hipóteses de ganhar as presidenciais logo na primeira volta, se não houver mais candidatos à esquerda. A exemplo do que se passou há uns anos com Lurdes Pintassilgo e Salgado Zenha. Só que me parece que, nem Alegre é Pintassilgo, nem Cavaco é Freitas, nem o próprio Soares é o mesmo Soares.