sexta-feira, agosto 08, 2008

Quotidianos [V]

Tinham fechado a Rua Principal, porque uma das condutas de água que lhe inundava o interior tinha-se rompido. A água, assim liberta, tinha começado por invadir os passeios de ambos os lados e ameaçava alguns pisos térreos das casas que a ladeavam.

Quando fecharam as torneiras de segurança, a montante, ficou o alagado em que se tinha transformado a Rua Principal. E onde, como sempre nestes casos, algumas crianças aproveitavam para recreios, mais ou menos molhados.

Com tudo isto, a viagem tinha-se demorado e já não tinha a certeza de que valeria a pena chegar onde deveria chegar. Porque as esperas, quando demoradas, deixam de ser esperas. E não é o mesmo estar à espera, estando, que esperar, indo.

Quando se libertou da fila enorme que, com a calma dos conformados, aguardava a liberdade do caminho, teve um pressentimento que o inquietou. O tempo já não era o tempo da viagem. Era o tempo da demora.

Respirou fundo e acelerou, com o sentimento estranho do destino incerto. À sua frente, ainda muito tempo até que o momento esperado se manifestasse.

Lá à frente, bem lá à frente, numa mesa de uma pequena esplanada bem aquecida pelo Sol, ela lia um livro, com o coração à espera. Porque a espera, por vezes, precisa de se perder noutros momentos, noutros locais, mesmo que imaginados.

Desculpa, foi o que conseguiu articular, enquanto se deixava afundar na cadeira que o esperava à frente dela. Que o olhou com aquele olhar que só aqueles que conhecem a palavra gostar podem compreender. E partilhar. Olhar partilhado na vontade de um beijo com sabor a reencontro.

E quando é assim, a demora da espera encontra tempo no tempo de bem-querer. E quando é assim, a espera descobre-se no chegar, para se aventurar no partir da viagem que só conhece o desconhecido.

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